sábado, 31 de dezembro de 2011

Mude

Edson Marques
Mas comece devagar,
porque a direção é mais importante que a velocidade.

Sente-se em outra cadeira,
no outro lado da mesa.
Mais tarde, mude de mesa.

Quando sair,
procure andar pelo outro lado da rua.
Depois, mude de caminho,
ande por outras ruas, calmamente,
observando com atenção os lugares por onde você passa.

Tome outros ônibus.

Mude por uns tempos o estilo das roupas.
Dê os teus sapatos velhos.
Procure andar descalço alguns dias.
Tire uma tarde inteira
para passear livremente na praia, ou no parque,
e ouvir o canto dos passarinhos.

Veja o mundo de outras perspectivas.
Abra e feche as gavetas e portas com a mão esquerda.
Durma no outro lado da cama.
Depois, procure dormir em outras camas.
Assista a outros programas de tv,
compre outros jornais,
leia outros livros,
Viva outros romances!

Não faça do hábito um estilo de vida.

Ame a novidade.
Durma mais tarde.
Durma mais cedo.
Aprenda uma palavra nova por dia numa outra língua.
Corrija a postura.
Coma um pouco menos,
escolha comidas diferentes,
novos temperos, novas cores,
novas delícias.

Tente o novo todo dia.
O novo lado,
o novo método,
o novo sabor,
o novo jeito,
o novo prazer,
o novo amor.

A nova vida.
Tente.
Busque novos amigos.
Tente novos amores.
Faça novas relações.
Almoce em outros locais,
vá a outros restaurantes,
tome outro tipo de bebida
compre pão em outra padaria.
Almoce mais cedo,
jante mais tarde, ou vice-versa.
Escolha outro mercado,
outra marca de sabonete,
outro creme dental.
Tome banho em novos horários.
Use canetas de outras cores.
Vá passear em outros lugares.


Ame muito,
cada vez mais,
de modos diferentes.


Troque de bolsa,
de carteira,
de malas.
Troque de carro.
Compre novos óculos,
escreva outras poesias.
Jogue os velhos relógios,
quebre delicadamente esses horrorosos despertadores.
Abra conta em outro banco.
Vá a outros cinemas,
outros cabeleireiros,
outros teatros,
visite novos museus.


Mude.
Lembre-se de que a Vida é uma só.
Arrume um outro emprego,
uma nova ocupação,
um trabalho mais light,
mais prazeroso,
mais digno,
mais humano.


Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as.
Seja criativo.
E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa,
longa, se possível sem destino.
Experimente coisas novas.
Troque novamente.
Mude, de novo.
Experimente outra vez.
Você certamente conhecerá coisas melhores
e coisas piores,
mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança,
o movimento,
o dinamismo,
a energia.
Só o que está morto não muda!
livro: MUDE - 96 páginas - Ed. Pandabooks, 2006.
Mude, mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade.

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Frases de Dom Hélder Câmara

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O verdadeiro significado do Natal

Difícil é, num mundo marcado pelo laicismo, ter bem presentes o autêntico significado do Santo Natal e o benefício incomensurável que representou para os homens a Encarnação da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.


E o Verbo Se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Desse modo singelo resumiu o Discípulo Amado o maior acontecimento da História. Suas desprPresépio_.jpgetensiosas palavras sintetizam o rico e insondável conteúdo do grandioso mistério comemorado a cada 25 de dezembro: na obscuridade das trevas do paganismo, raiou a aurora de nossa salvação. Fez-Se homem o Esperado das nações, Aquele que tinha sido anunciado pelos profetas.

Cenário tomado pelo sobrenatural

Na noite em que Jesus veio ao mundo, pairava sobre Belém uma atmosfera de paz e alegria. A natureza parecia estar em júbilo enquanto, dentro de uma gruta inóspita, um santo casal contemplava seu Filho recém-nascido.

Ela é a Mãe das mães, concebida sem pecado original, criatura perfeita, na qual o Criador depositou toda a graça. Ao seu lado encontra-se São José, esposo castíssimo, varão justo cujo amor a Deus, integridade e sabedoria o tornam digno de tão augusta Esposa. E a Criança que ambos contemplam é o próprio Deus, que assume nossa natureza para dar a maior prova possível de seu amor à humanidade.

Quão sublime atmosfera envolvia aquele cenário paupérrimo! O ambiente no qual nasceu o Menino Deus devia estar tão tomado pelo sobrenatural que, se alguém tivesse a dita de entrar naquela gruta, ficaria imediatamente arrebatado por toda sorte de graças.

Foi o que ocorreu com os pastores. Após o aviso dos Anjos, correram em direção à gruta e lá encontraram o Rei do Universo deitado sobre palhas. Abismados pela grandeza dessa cena, que contemplavam também com os olhos da Fé, não tiveram outra atitude senão a da adoração. Que extraordinária dádiva receberam, sendo os primeiros a contemplar o Criador do Céu e da Terra feito homem, envolto em faixas, numa manjedoura!

Deus quis apresentar-Se de forma exemplarmente humilde

Considerando as imponentes manifestações da natureza que acompanhavam as intervenções de Deus no Antigo Testamento — o mar se abre, o monte fumega, o fogo cai do céu e reduz cidades a cinzas —, resulta surpreendente constatar a humildade e discrição com que Cristo veio ao mundo.

Não teria sido mais condizente com a grandeza divina que, na noite de Natal, sinais magníficos marcassem o acontecimento no Céu e na Terra? Não poderia, ao menos, ter nascido Jesus num magnífico palácio e convocado os maiores potentados da Terra para prestar-Lhe homenagens? Bastar- Lhe-ia um simples ato de vontade para que isso acontecesse...

Mas, não! O Verbo preferiu a gruta a um palácio; quis ser adorado por pobres pastores, ao invés de grandes senhores; aqueceu-Se com o bafo dos animais e a rudeza das palhas, em lugar de usar ricas vestes e dourados braseiros. Nem mesmo quis dar ordem ao frio para que não O atingisse. Num sublime paradoxo, desejava a Majestade infinita apresentar-Se de forma exemplarmente humilde.

Pois, apesar das pobres aparências, Aquele Menino era a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. NEle dava-se a união hipostática da natureza divina com a humana, conforme explica o renomado padre Boulenger: “União é o estado de duas coisas que se acham juntas. Ela pode realizar-se ora nas naturezas, por exemplo, quando o corpo e a alma unem-se para formar uma só natureza humana; e ora na pessoa, quando se unem duas naturezas na mesma pessoa.

Esta última união chama-se hipostática, porque, em grego, os dois termos, hipóstase (suporte) e pessoa, têm igual significação teológica”.

E, depois da união, essas duas naturezas permaneceram perfeitamente íntegras e inconfundíveis na Pessoa de Cristo, que não é humana, mas divina. Por esse motivo é Ele chamado Homem-Deus.

Abismo intransponível

Mas, por que quis a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnar-Se em uma tão inferior natureza? Os nossos primeiros pais foram criados no Paraíso Terrestre em estado de inocência original, portanto em justiça e santidade.

Além dissPresepio.jpgo, na sua infinita bondade, Deus conferiu a Adão dons de três qualidades: naturais, estando todas as propriedades do corpo e da alma perfeitamente ordenadas para alcançar o seu fim natural; sobrenaturais, a graça santificante, ou seja, a participação na própria vida de Deus, e a predestinação à visão de Deus na eterna bem-aventurança; e preternaturais, tais como a ciência infusa, o domínio das paixões e a imortalidade, que constituem o dom de integridade.

Como contrapartida a esses imensos benefícios, foi apresentada ao homem uma prova.

Devia ele cumprir de modo exímio a lei divina, guiando-se pelas exigências da lei natural gravada no seu coração, e respeitar uma única norma concreta que Deus lhe dera: a proibição de comer do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, plantada no centro do Jardim do Éden (cf. Gn 2,9-17).

Narra-nos a Sagrada Escritura como a serpente tentou Eva, como caíram nossos primeiros pais e como foram expulsos do Paraíso (cf. Gn 3,1-23). Em consequência do pecado, boa parte desses privilégios lhes foram retirados.

Mas Deus, em sua infinita misericórdia, manteve-lhes os privilégios naturais, como descreve o douto padre Tanquerey: “Contentou-Se de os despojar dos privilégios especiais que lhes tinha conferido, isto é, do dom de integridade e da graça habitual: conservam pois, a natureza e os seus privilégios naturais. É certo que a vontade ficou enfraquecida, se a compararmos ao que era com o dom de integridade; mas não está provado que seja mais fraca do que teria sido no estado de natureza”.

O Pecado Original abriu entre Deus e os homens um abismo intransponível. As portas do Céu se fecharam e o homem contingente só podia oferecer a Deus uma reparação imperfeita da ofensa cometida. E o Filho ofereceu-Se ao Pai para, “fazendo-Se obediente até a morte, e morte de cruz” (Fl 2,8), restituir ao homem a graça perdida com o pecado. O próprio Criador fazia-Se criatura para, com uma generosidade inefável, saldar nossa dívida.

O caminho da glória passa pela Cruz

Entretanto, por que quis Jesus sofrer o desprezo dos seus coetâneos e os tormentos da Paixão? Estando hipostaticamente unido à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, qualquer gesto da Sua natureza humana poderia ter redimido a humanidade inteira. Um simples ato de vontade de Cristo teria bastado para obter de Deus o perdão de todos os nossos pecados.

Mais uma vez, deparamo-nos com um sublime paradoxo. Com o exemplo de Sua Vida e Paixão, queria Jesus ensinar-nos que, neste vale de lágrimas, a verdadeira glória só vem da dor. E como o Pai desejava para Seu Filho o máximo grau de glória, permitiu que Ele passasse pelo extremo limite do sofrimento.

“O Filho do homem veio, não para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate de muitos” (Mt 20,28). Já na manjedoura em Belém, nosso Salvador estava ciente de ter vindo ao mundo para expiar nossos pecados. É esse o motivo pelo qual em muitos presépios presépio1.jpgo Menino Deus nos é apresentado com os braços abertos em cruz. Durante toda a sua vida, de Belém ao Gólgota, Jesus não fez outra coisa senão avançar ao encontro do Sacrifício Supremo que Lhe acarretaria o fastígio da glória.

A Terra toda foi renovada

Pode haver ser humano mais frágil do que uma criança, habitação mais simples do que uma gruta e berço mais precário do que uma manjedoura? Entretanto, a Criança que contemplamos deitada sobre palhas na gruta de Belém haveria de alterar completamente o rumo dos acontecimentos terrenos.

Afirma o historiador austríaco João Batista Weiss: “Cristo é o centro dos acontecimentos da História. O mundo antigo O esperou; o mundo moderno e todo o porvir descansam sobre Ele. A Redenção da humanidade por Cristo é a maior façanha da História universal; sua Vida, a memória mais alta e bela que possui a humanidade; sua doutrina, a medida com que se há de apreciar todas as coisas”.

Difícil é, num mundo marcado pelo relativismo e pelo laicismo — quando não pelo ateísmo —, ter bem presentes o verdadeiro significado do Santo Natal e o benefício incomensurável que representou para os homens a Encarnação da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.

Cristo era o varão prometido a Adão logo depois de sua queda, o Messias anunciado durante séculos pelos profetas. Mas a realidade transcendeu qualquer imaginação humana: quem poderia excogitar que Ele seria o próprio Deus encarnado? A vinda de Jesus ao mundo não só abriu-nos as portas do Céu e nos trouxe a Salvação, mas também renovou toda a Terra. Diz São Tomás que Nosso Senhor quis ser batizado, entre outras razões, para santificar as águas.

E o mesmo aconteceu com todos os outros elementos: a terra foi santificada porque seus divinos pés a pisaram; o ar, porque Ele o respirou; o fogo ardeu com maior vigor e pureza. Podemos sem dúvida dizer que este nosso mundo nunca mais foi o mesmo depois de nele ter vivido, feito homem, o próprio Criador.

Não é por acaso que se contam os anos a partir do nascimento de Cristo, pois Ele, realmente, divide a História em duas vertentes. Antes dEle a humanidade era uma, e depois passou a ser diametralmente outra. São duas histórias. Quase poderíamos afirmar serem dois universos! (Revista Arautos do Evangelho, Dez/2009, n. 96, p. 19 à 21)


Fonte: http://www.arautos.org/especial/21841/O-verdadeiro-significado-do-Natal.html

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Dogmas marianos: conheça as verdades de fé sobre Nossa Senhora

A Igreja possui uma série de verdades de fé, conhecidas como dogmas, em que os católicos devem crer.

No total, são 44 dogmas subdivididos em 8 categorias diferentes:
sobre Deus;
sobre Jesus Cristo;
sobre a criação do mundo;
sobre o ser humano;
sobre o Papa e a Igreja;
sobre os sacramentos;
sobre as últimas coisas;
sobre Maria.
Segundo o doutorando em Mariologia pela Universidade Católica de Dayton (EUA) e membro do Instituto Secular dos Padres de Schoenstatt, Alexandre Awi de Mello, os dogmas na Igreja são verdades salvíficas. "Muitas vezes utiliza-se a palavra dogma como se fosse algo pesado, difícil, mas, na realidade, é uma grande bênção, um presente. São verdades da fé em que cremos e que a Igreja sente necessidade de esclarecer. São verdades que trazem salvação e mensagem de esperança", salienta.

Os dogmas marianos são alguns dos que levantam as discussões mais acaloradas.  Eles são quatro:

- Maria, Mãe de Deus

Maria é verdadeiramente Mãe do Deus encarnado, Jesus Cristo. Já nos primeiros três séculos, os Padres da Igreja utilizaram as definições Mater Dei (em latim) ou Theotókos (em grego), que significam Mãe de Deus, tais como Inácio (107), Orígenes (254), Atanásio (330) e João Crisóstomo (400). Essa doutrina foi definida dogmaticamente pelo Terceiro Concílio Ecumênico, realizado em Éfeso, em 431.
"Jesus é plenamente homem e plenamente Deus. Maria foi Mãe deste Deus feito homem, que é Jesus; assim, Maria é Mãe de Deus. É uma realidade que dá fundamento a todas as outras. É uma verdade, em primeiro lugar, sobre Cristo, pois é preciso afirmar que Jesus é verdadeiramente Deus para que possamos falar que Maria é Mãe de Deus", explica padre Alexandre.

- Perpétua Virgindade de Maria

Ensina que Maria é virgem antes, durante e depois do parto. É o dogma mariano mais antigo das Igrejas Católica e Oriental Ortodoxa, afirmando a "real e perpétua virgindade mesmo no ato de dar à luz o Filho de Deus feito homem" (Catecismo da Igreja Católica, 499). Essa doutrina foi definida dogmaticamente pelo Concílio de Trento, em 1555, embora já fosse um dogma no cristianismo primitivo, como indicam escritos de São Justino Mártir e Orígenes.
"É uma crença que já está na sagrada Escritura e defende que Maria concebeu Jesus virginalmente, deu à luz virginalmente e assim permaneceu até o final da vida", ressalta padre Alexandre.

- Imaculada Conceição de Maria

Defende que a concepção de Maria foi realizada sem qualquer mancha de pecado original, no ventre da sua mãe. Dessa forma, ela foi preservada por Deus do pecado desde o primeiro momento da sua existência, como apontam as palavras do Anjo Gabriel - "sempre cheia de graça divina" - kecaritwmenh em grego. Essa doutrina foi definida dogmaticamente pelo Papa Pio IX na Constituição Ineffabilis Deus em 8 de dezembro de 1854.
A festa da Imaculada Conceição de Maria é celebrada em 8 de Dezembro, definida inicialmente em 1476 pelo Papa Sixto IV. Também neste caso, muitos escritos dos Padres da Igreja já defendiam a Imaculada Conceição de Maria, pois era adequado que a Mãe do Cristo estivesse completamente livre do pecado para gerar o Filho de Deus.

- Assunção de Maria

Indica que a Virgem Maria, ao fim de sua vida terrena, foi elevada em corpo e alma à glória dos céus. Essa doutrina foi definida dogmaticamente pelo Papa Pio XII na Constituição Munificentissimus Deus em 1º de novembro de 1950.
"Depois de elevar a Deus muitas e reiteradas preces e de invocar a luz do Espírito da Verdade, para glória de Deus onipotente, que outorgou à Virgem Maria sua peculiar benevolência; para honra do seu Filho, Rei imortal dos séculos e vencedor do pecado e da morte; para aumentar a glória da mesma augusta Mãe e para gozo e alegria de toda a Igreja, com a autoridade de nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo e com a nossa, pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que a Imaculada Mãe de Deus e sempre Virgem Maria, terminado o curso da sua vida terrena, foi assunta em corpo e alma à glória do céu", indica o Papa. "É uma verdade em que a Igreja acredita desde os séculos 5 e 6, quando já havia uma celebração da então chamada Dormição de Maria", complementa padre Alexandre.

noticias.cancaonova.com - Padre, o senhor afirmou que os dogmas são uma bênção para o católico viver a sua fé. Mas há quem questione que os dogmas são apenas uma construção da Igreja ao longo da história. Frente a isso, quais são os principais fundamentos (bíblia, tradição, magistério) a que a Igreja se reporta para proclamar um dogma?

Em primeiro lugar, o fundamento de toda a verdade é a própria Sagrada Escritura, que contém as verdades fundamentais da fé e de onde se podem deduzir os dogmas e verdades que a Igreja foi acreditando ao longo dos séculos. Quem acredita são os fiéis e o que o Magistério faz é declarar o que já está na fé do povo. São verdades que são vivas, em primeiro lugar, na fé e na crença do povo cristão. Não é uma invenção da Igreja, mas a explicitação daquilo em que o povo já crê. Os primeiros fundamentos estão na Sagrada Escritura, pois cremos que Deus prometeu o Seu Espírito para guiar a Igreja, que vai confirmando as verdades de fé à medida que se aprofunda o seu conteúdo. Logo no início da Igreja, toda a atenção estava voltada para Cristo, mas, desde muito cedo, também se pergunta sobre de onde veio esse Cristo, o que faz parte do próprio pensamento semita de perguntar sobre a identidade de alguém indo a sua origem. Assim, despertou-se o interesse para se saber de onde Ele veio, onde nasceu, e quem é aquela de onde veio o Cristo. No Evangelho de Lucas há muitos elementos - inclusive ele mesmo poderia ter perguntado isso à Mãe de Deus. E isso foi sendo transmitido ao longo da tradição da Igreja, essas verdades que foram sendo descobertas a respeito de Maria.
A própria Sagrada Escritura tem muitos desses fundamentos: basta citar as Bodas de Caná (Jo 2), que indica o poder intercessor de Maria, a possibilidade que o próprio Jesus lhe dá de interceder pelo bem dos fiéis. No final do texto aparece a menção de que, logo após o milagre das Bodas de Caná, os discípulos creram nele. Esse é o único interesse da intercessão de Maria: que os discípulos creiam n'Ele, no Seu filho, para fazer a vontade d'Ele. Então, se as pessoas, de alguma maneira, desprezam essa possibilidade que Deus está dando, quem tem a perder são elas próprias.
Dentro do plano de Deus, essa verdade é para a nossa salvação e está assegurada pela tradição e pelos 2000 anos de história da Igreja, que experimenta essa intercessão, esse exemplo e presença de Maria conduzindo a Jesus. Não acolher este dom, que o próprio Jesus deu aos pés da Cruz (cf. Jo 19, 25-27), é justamente perder uma verdade salvífica, um dom de salvação que o próprio Deus nos oferece.

noticias.cancaonova.com - O senhor faz parte do Movimento Apostólico de Schoenstatt, que prima muito pela devoção mariana. Por que podemos afirmar que essa devoção não faz o cristão se aproximar menos de Jesus, mas, ao contrário, auxilia no caminho de encontro com Cristo?

Padre Alexandre - Em primeiro lugar, pela própria experiência. Aqueles que conhecem pessoas que são verdadeiramente marianas, que têm um forte amor a Nossa Senhora, experimentam que o amor a Ela conduz mais fortemente ao coração de Jesus. Maria é aquela que ajuda a formar Cristo em nós, intercede junto a Deus e ao Espírito Santo para que se possa gerar, em nossa vida, a imagem de Jesus, nos fazer pequenos Jesus, como diz o fundador do nosso Movimento, o padre Joseph Kentenich.
Acreditamos que, quanto mais nos assemelhamos a Maria, mais temos condição de viver em união com Cristo. Essa é nossa experiência, como salienta São Luís Maria de Montfort - Maria é o caminho mais próximo, direto e imediato para encontrar-se com Jesus.
Na prática, quando as pessoas chegam à intimidade com Maria, não se dirigem a Ela por Ela mesma, mas para que possam chegar a Jesus. Pelo amor a Maria, pela vinculação a Ela, chegam a uma vinculação mais profunda e perfeita com Jesus. Porque imitar as atitudes e virtudes de Maria é fazer o que todo o cristão deve fazer, já que Ela foi pessoa mais próxima de Jesus, que mais aprendeu d'Ele.
Por outro lado, Jesus não quer um cristianismo cristomonista, exclusivo só para Ele. Na sua forma de atuar, Jesus sempre integra o número maior possível de pessoas, de mediadores, para chegar até Ele, que é Mediador com maiúscula por excelência. Por isso existem os sacramentos, os padres, a própria Igreja, Maria, os santos, e tantos outros mediadores com minúscula que conduzem ao Mediador com maiúscula, que é Jesus.
Essa é a forma de atuar de Deus, que quis agir na Sua Igreja e quer continuar atuando até hoje. Por isso, a vinculação a Maria leva a uma vinculação mais profunda com o próprio Cristo e com o Deus Trino.


terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Papai Noel e João Batista

Dom Caetano Ferrari, Bispo de Bauru – SP


É mais fácil explicar e a criança acreditar que o Menino Jesus existe do que existe o Papai Noel. Que o nascimento de uma criança está mais perto da realidade, do compreensível, do que o de um velhinho. Como será mais fácil para ela acreditar na cegonha que traz no bico um nenezinho do que um velhinho. A cegonha é a mesma como o Natal é o mesmo, mas do nascimento do Menino Jesus, o aniversariante cuja alegria enche os corações e faz as pessoas no mundo inteiro se abraçarem, se amarem e se trocarem presentes. O presente verdadeiro e melhor é o próprio Deus que fez-se criança para aproximar-se de nós. Isso não é lenda, é uma verdade histórica.

Há um humanismo ateu que emociona as pessoas anunciando e desejando um Natal maravilhoso, cheio de esperanças e alegrias, com grandes realizações pessoais e transformações sociais, porém não como dom e graça do Deus que se fez presente nascendo na história, mas como o mito do progresso construído sobre a onipotência da razão e da ciência tão inverossímil como a lenda do Papai Noel que as crianças acreditam viajar pelos ares em trenós puxados por renas, trazendo presentes para todos. Em ambas as perspectivas exigem-se o esforço pessoal e o comprometimento de todos. Com uma simples diferença. O cristão sabe que pode tudo com Deus e os outros. O ateu acredita que se basta a si mesmo com os outros, mas sem Deus.

Que o Papai Noel existe é claro, mas porque o Jesus do Natal existiu primeiro. Que ele é uma figura importante é claro, mas que está a serviço do personagem mais importante do Natal, que é Jesus.

No segundo domingo do Advento, no Evangelho de Marcos, João Batista aparece no deserto, vestido de pele de camelo, comendo mel e gafanhotos, declarando exatamente isso: “Depois de mim virá alguém mais forte do que Eu. Eu nem sou digno de me abaixar para desamarrar suas sandálias. Eu vos batizei com água, Ele vos batizará com o Espírito Santo – Mc 1,1-8).

Todo bom Papai Noel não cria confusão na cabecinha das crianças, mas se comporta como João Batista capaz de dizer-lhes que, menos ainda do que João, ele é um simples servo de Jesus. Jesus é o Emanuel, Deus conosco, que traz a graça e a salvação para todas as pessoas, e João é o seu mensageiro e precursor.

No deserto, João Batista é a voz que clama: “Preparai os caminhos do Senhor”. O advento nos propõe esta caminhada de conversão em preparação para o Natal. Uma conversão individual, comunitária, eclesial, social, que é sempre pessoal, porque exige tomada de consciência do próprio pecado, seja meu seja seu, com arrependimento e desejo de mudar, de melhorar, de transformar começando primeiro comigo mesmo e consigo mesmo, para depois sermos mensageiros das mudanças nos outros e no mundo.

Quando você vir um Papai Noel, lembre-se de João Batista, aquele que nos convida a prepararmos os caminhos do Senhor, com “vigilância e oração”, como nos foi proposto no domingo passado, 1º do Advento, e com “arrependimento dos pecados e conversão pessoal”, como nos propõe hoje este 2º domingo do Advento.

No Natal, Deus volta seu coração para nós na ternura de uma criança e convida-nos, a mim, a você e a todos, a convertermos nosso coração para Ele. Numa noite de Natal, na Catedral de Notre Dame de Paris, Paul Claudel sentiu chegar a fé. Ele se converteu na contemplação do mistério da Encarnação de Deus num Menino. Tornou-se em grande místico e escritor católico. Ele que disse ter mil razões para crer e mil razões para não crer, mas ele preferiu crer.






segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Santa Sé divulga Mensagem de Bento XVI para o Dia Mundial da Paz

A Santa Sé divulgou, na sexta-feira, 16 de dezembro, o texto da Mensagem de Bento XVI para o Dia Mundial da Paz 2012, que se celebra em 1º de janeiro.

Eis a íntegra da Mensagem:

EDUCAR OS JOVENS PARA A JUSTIÇA E A PAZ

1. INÍCIO DE UM NOVO ANO, dom de Deus à humanidade, induz-me a desejar a todos, com grande confi ança e estima, de modo especial que este tempo, que se abre diante de nós, fi que marcado concretamente pela justiça e a paz.

Com qual atitude devemos olhar para o novo ano? No salmo 130, encontramos uma imagem muito bela. O salmista diz que o homem de fé aguarda pelo Senhor « mais do que a sentinela pela aurora »(v. 6), aguarda por Ele com firme esperança, porque sabe que trará luz, misericórdia, salvação. Esta expectativa nasce da experiência do povo eleito, que reconhece ter sido educado por Deus a olhar o mundo na sua verdade sem se deixar abater pelas tribulações.

Convido-vos a olhar o ano de 2012 com esta atitude confiante. É verdade que, no ano que termina, cresceu o sentido de frustração por causa da crise que aflige a sociedade, o mundo do trabalho e a economia; uma crise cujas raízes são primariamente culturais e antropológicas. Quase parece que um manto de escuridão teria descido sobre o nosso tempo, impedindo de ver com clareza a luz do dia.

Mas, nesta escuridão, o coração do homem não cessa de aguardar pela aurora de que fala o salmista. Esta expectativa mostra-se particularmente viva e visível nos jovens; e é por isso que o meu pensamento se volta para eles, considerando o contributo que podem e devem oferecer à sociedade. Queria, pois, revestir a Mensagem para o XLV Dia Mundial da Paz duma perspectiva educativa: « Educar os jovens para a justiça e a paz », convencido de que eles podem, com o seu entusiasmo e idealismo, oferecer uma nova esperança ao mundo.

A minha Mensagem dirige-se também aos pais, às famílias, a todas as componentes educativas, formadoras, bem como aos responsáveis nos diversos âmbitos da vida religiosa, social, política, econômica, cultural e mediática. Prestar atenção ao mundo juvenil, saber escutá-lo e valorizá-lo para a construção dum futuro de justiça e de paz não é só uma oportunidade mas um dever primário de toda a sociedade.

Trata-se de comunicar aos jovens o apreço pelo valor positivo da vida, suscitando neles o desejo de consumá-la ao serviço do Bem. Esta é uma tarefa, na qual todos nós estamos, pessoalmente, comprometidos.

As preocupações manifestadas por muitos jovens nestes últimos tempos, em várias regiões do mundo, exprimem o desejo de poder olhar para o futuro com fundada esperança. Na hora atual, muitos são os aspectos que os trazem apreensivos: o desejo de receber uma formação que os prepare de maneira mais profunda para enfrentar a realidade, a dificuldade de formar uma família e encontrar um emprego estável, a capacidade efectiva de intervir no mundo da política, da cultura e da economia contribuindo para a construção duma sociedade de rosto mais humano e solidário.

É importante que estes fermentos e o idealismo que encerram encontrem a devida atenção em todas as componentes da sociedade. A Igreja olha para os jovens com esperança, tem confiança neles e encoraja-os a procurarem a verdade, a defenderem o bem comum, a possuírem perspectivas abertas sobre o mundo e olhos capazes de ver « coisas novas» (Is 42,9;48,6).

Os responsáveis da educação

2. A educação é a aventura mais fascinante e difícil da vida. Educar – na sua etimologia latina educere– significa conduzir para fora de si mesmo ao encontro da realidade, rumo a uma plenitude que faz crescer a pessoa. Este processo alimenta-se do encontro de duas liberdades: a do adulto e a do jovem. Isto exige a responsabilidade do discípulo, que deve estar disponível para se deixar guiar no conhecimento da realidade, e a do educador, que deve estar disposto a dar-se a si mesmo. Mas, para isso, não bastam meros dispensadores de regras e informações; são necessárias testemunhas autênticas, ou seja, testemunhas que saibam ver mais longe do que os outros, porque a sua vida abraça espaços mais amplos. A testemunha é alguém que vive, primeiro, o caminho que propõe.

E quais são os lugares onde amadurece uma verdadeira educação para a paz e a justiça? Antes de mais nada, a família, já que os pais são os primeiros educadores. A família é célula originária da sociedade. «É na família que os filhos aprendem os valores humanos e cristãos que permitem uma convivência construtiva e pacífica. É na família que aprendem a solidariedade entre as gerações, o respeito pelas regras, o perdão e o acolhimento do outro». Esta é a primeira escola, onde se educa para a justiça e a paz.

Vivemos num mundo em que a família e até a própria vida se vêem constantemente ameaçadas e, não raro, destroçadas. Condições de trabalho frequentemente pouco compatíveis com as responsabilidades familiares, preocupações com o futuro, ritmos frenéticos de vida, emigração à procura dum adequado sustentamento se não mesmo da pura sobrevivência, acabam por tornar difícil a possibilidade de assegurar aos filhos um dos bens mais preciosos: a presença dos pais; uma presença, que permita compartilhar de forma cada vez mais profunda o caminho para se poder transmitir a experiência e as certezas adquiridas com os anos – o que só se torna viável com o tempo passado juntos. Queria aqui dizer aos pais para não desanimarem! Com o exemplo da sua vida, induzam os filhos a colocar a esperança antes de tudo em Deus, o único de quem surgem justiça e paz autênticas.

Quero dirigir-me também aos responsáveis das instituições com tarefas educativas: Velem, com grande sentido de responsabilidade, por que seja respeitada e valorizada em todas as circunstâncias a dignidade de cada pessoa. Tenham a peito que cada jovem possa descobrir a sua própria vocação, acompanhando-o para fazer frutificar os dons que o Senhor lhe concedeu. Assegurem às famílias que os seus filhos não terão um caminho formativo em contraste com a sua consciência e os seus princípios religiosos.

Possa cada ambiente educativo ser lugar de abertura ao transcendente e aos outros; lugar de diálogo, coesão e escuta, onde o jovem se sinta valorizado nas suas capacidades e riquezas interiores e aprenda a apreciar os irmãos. Possa ensinar a saborear a alegria que deriva de viver dia após dia a caridade e a compaixão para com o próximo e de participar ativamente na construção duma sociedade mais humana e fraterna.

Dirijo-me, depois, aos responsáveis políticos, pedindo-lhes que ajudem concretamente as famílias e as instituições educativas a exercerem o seu direito--dever de educar. Não deve jamais faltar um adequado apoio à maternidade e à paternidade. Atuem de  modo que a ninguém seja negado o acesso à instrução e que as famílias possam escolher livremente as estruturas educativas consideradas mais idôneas para o bem dos seus filhos. Esforcem-se por favorecer a reunificação das famílias que estão separadas devido à necessidade de encontrar meios de subsistência.

Proporcionem aos jovens uma imagem transparente da política, como verdadeiro serviço para o bem de todos. Não posso deixar de fazer apelo ainda ao mundo dos media para que prestem a sua contribuição educativa. Na sociedade atual, os meios de comunicação de massa têm uma função particular: não só informam, mas também formam o espírito dos seus destinatários e, consequentemente, podem concorrer notavelmente para a educação dos jovens. É importante ter presente a ligação estreitíssima que existe entre educação e comunicação: de fato, a educação realiza-se por meio da comunicação, que influi positiva ou negativamente na formação da pessoa.

Também os jovens devem ter a coragem de começar, eles mesmos, a viver aquilo que pedem a quantos os rodeiam. Que tenham a força de fazer um uso bom e consciente da liberdade, pois cabe-lhes em tudo isto uma grande responsabilidade: são responsáveis pela sua própria educação e formação para a justiça e a paz.

Educar para a verdade e a liberdade

3. Santo Agostinho perguntava-se: «Quid enim fortius desiderat anima quam veritatem – que deseja o homem mais intensamente do que a verdade?». O rosto humano duma sociedade depende muito da contribuição da educação para manter viva esta questão inevitável. De fato, a educação diz respeito à formação integral da pessoa, incluindo a dimensão moral e espiritual do seu ser, tendo em vista o seu fim último e o bem da sociedade a que pertence.

Por isso, a fim de educar para a verdade, é preciso antes de mais nada saber que é a pessoa humana, conhecer a sua natureza. Olhando a realidade que o rodeava, o salmista pôs-se a pensar: « Quando contemplo os céus, obra das vossas mãos, a lua e as estrelas que Vós criastes: que é o homem para Vos lembrardes dele, o filho do homem para com ele Vos preocupardes?» (Sl 8,4-5). Esta é a pergunta fundamental que nos devemos colocar: Que é o homem?

O homem é um ser que traz no coração uma sede de infinito, uma sede de verdade – não uma verdade parcial, mas capaz de explicar o sentido da vida –, porque foi criado à imagem e semelhança de Deus. Assim, o fato de reconhecer com gratidão a vida como dom inestimável leva a descobrir a dignidade profunda e a inviolabilidade própria de cada pessoa.

Por isso, a primeira educação consiste em aprender a reconhecer no homem a imagem do Criador e, consequentemente, a ter um profundo respeito por cada ser humano e ajudar os outros a realizarem uma vida conforme a esta sublime dignidade. É preciso não esquecer jamais que «o autêntico desenvolvimento do homem diz respeito unitariamente à totalidade da pessoa em todas as suas dimensões», incluindo a transcendente, e que não se pode sacrificar a pessoa para alcançar um bem particular, seja ele econômico ou social, individual ou coletivo.

Só na relação com Deus é que o homem compreende o significado da sua liberdade, sendo tarefa da educação formar para a liberdade autêntica. Esta não é a ausência de vínculos, nem o império do livre arbítrio; não é o absolutismo do eu. Quando o homem se crê um ser absoluto, que não depende de nada nem de ninguém e pode fazer tudo o que lhe apetece, acaba por contradizer a verdade do seu ser e perder a sua liberdade. De fato, o homem é precisamente o contrário: um ser relacional, que vive em relação com os outros e sobretudo com Deus. A liberdade autêntica não pode jamais ser alcançada, afastando-se d’Ele.

A liberdade é um valor precioso, mas delicado: pode ser mal entendida e usada mal. «Hoje um obstáculo particularmente insidioso à ação educativa é constituído pela presença maciça, na nossa sociedade e cultura, daquele relativismo que, nada reconhecendo como definitivo, deixa como última medida somente o próprio eu com os seus desejos e, sob a aparência da liberdade, torna-se para cada pessoa uma prisão, porque separa uns dos outros, reduzindo cada um a permanecer fechado dentro do próprio “eu”.

Dentro de um horizonte relativista como este, não é possível, portanto, uma verdadeira educação: sem a luz da verdade, mais cedo ou mais tarde cada pessoa está, de fato, condenada a duvidar da bondade da sua própria vida e das relações que a constituem, da validez do seu compromisso para construir com os outros algo em comum».

Por conseguinte o homem, para exercer a sua liberdade, deve superar o horizonte relativista e conhecer a verdade sobre si próprio e a verdade acerca do que é bem e do que é mal. No íntimo da consciência, o homem descobre uma lei que não se impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer e cuja voz o chama a amar e fazer o bem e a fugir do mal, a assumir a responsabilidade do bem cumprido e do mal praticado. Por isso o exercício da liberdade está intimamente ligado com a lei moral natural, que tem caráter universal, exprime a dignidade de cada pessoa, coloca a base dos seus direitos e deveres fundamentais e, consequentemente, da convivência justa e pacífica entre as pessoas.

Assim o reto uso da liberdade é um ponto central na promoção da justiça e da paz, que exigem a cada um o respeito por si próprio e pelo outro, mesmo possuindo um modo de ser e viver distante do meu. Desta atitude derivam os elementos sem os quais paz e justiça permanecem palavras desprovidas de conteúdo: a confiança recíproca, a capacidade de encetar um diálogo construtivo, a possibilidade do perdão, que muitas vezes se quereria obter mas sente-se dificuldade em conceder, a caridade mútua, a compaixão para com os mais frágeis, e também a prontidão ao sacrifício.

Educar para a justiça

4. No nosso mundo, onde o valor da pessoa, da sua dignidade e dos seus direitos, não obstante as proclamações de intentos, está seriamente ameaçado pela tendência generalizada de recorrer exclusivamente aos critérios da utilidade, do lucro e do ter, é importante não separar das suas raízes transcendentes o conceito de justiça. De fato, a justiça não é uma simples convenção humana, pois o que é justo determina-se originariamente não pela lei positiva, mas pela identidade profunda do ser humano. É a visão integral do homem que impede de cair numa concepção contratualista da justiça e permite abrir também para ela o horizonte da solidariedade e do amor.

Não podemos ignorar que certas correntes da cultura moderna, apoiadas em princípios econômicos racionalistas e individualistas, alienaram das suas raízes transcendentes o conceito de justiça, separando-o da caridade e da solidariedade. Ora « a “cidade do homem” não se move apenas por relações feitas de direitos e de deveres, mas antes e sobretudo por relações de gratuidade, misericórdia e comunhão. A caridade manifesta sempre, mesmo nas relações humanas, o amor de Deus; dá valor teologal e salvífico a todo o empenho de justiça no mundo».

«Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados» (Mt 5,6). Serão saciados, porque têm fome e sede de relações justas com Deus, consigo mesmo, com os seus irmãos e irmãs, com a criação inteira.
Educar para a paz

5. «A paz não é só ausência de guerra, nem se limita a assegurar o equilíbrio das forças adversas. A paz não é possível na terra sem a salvaguarda dos bens das pessoas, a livre comunicação entre os seres humanos, o respeito pela dignidade das pessoas e dos povos e a prática assídua da fraternidade».

A paz é fruto da justiça e efeito da caridade. É, antes de mais nada, dom de Deus. Nós, os cristãos, acreditamos que a nossa verdadeira paz é Cristo: n’Ele, na sua Cruz, Deus reconciliou consigo o mundo e destruiu as barreiras que nos separavam uns dos outros (Ef 2,14-18); n’Ele, há uma única família reconciliada no amor.

A paz, porém, não é apenas dom a ser recebido, mas obra a ser construída. Para sermos verdadeiramente artífices de paz, devemos educar-nos para a compaixão, a solidariedade, a colaboração, a fraternidade, ser ativos dentro da comunidade e solícitos em despertar as consciências para as questões nacionais e internacionais e para a importância de procurar adequadas modalidades de redistribuição da riqueza, de promoção do crescimento, de cooperação para o desenvolvimento e de resolução dos conflitos.

«Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus» – diz Jesus no sermão da montanha (Mt 5, 9). A paz para todos nasce da justiça de cada um, e ninguém pode subtrair-se a este compromisso essencial de promover a justiça segundo as respectivas competências e responsabilidades. De forma particular convido os jovens, que conservam viva a tensão pelos ideais, a procurarem com paciência e tenacidade a justiça e a paz e a cultivarem o gosto pelo que é justo e verdadeiro, mesmo quando isso lhes possa exigir sacrifícios e obrigue a caminhar contracorrente.

Levantar os olhos para Deus

6. Perante o árduo desafi o de percorrer os caminhos da justiça e da paz, podemos ser tentados a interrogar-nos como o salmista: «Levanto os olhos para os montes, de onde me virá o auxílio?» (Sl 121,1). A todos, particularmente aos jovens, quero bradar: « Não são as ideologias que salvam o mundo, mas unicamente o voltar-se para o Deus vivo, que é o nosso criador, o garante da nossa liberdade, o garante do que é deveras bom e verdadeiro (…), o voltar-se sem reservas para Deus, que é a medida do que é justo e, ao mesmo tempo, é o amor eterno. E que mais nos poderia salvar senão o amor?». O amor rejubila com a verdade, é a força que torna capaz de comprometer-se pela verdade, pela justiça, pela paz, porque tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (1Cor 13,1-13).

Queridos jovens, vós sois um dom precioso para a sociedade. Diante das dificuldades, não vos deixeis invadir pelo desânimo nem vos abandoneis a falsas soluções, que frequentemente se apresentam como o caminho mais fácil para superar os problemas. Não tenhais medo de vos empenhar, de enfrentar a fadiga e o sacrifício, de optar por caminhos que requerem fidelidade e constância, humildade e dedicação. Vivei com confiança a vossa juventude e os anseios profundos que sentis de felicidade, verdade, beleza e amor verdadeiro. Vivei intensamente esta fase da vida, tão rica e cheia de entusiasmo.

Sabei que vós mesmos servis de exemplo e estímulo para os adultos, e tanto mais o sereis quanto mais vos esforçardes por superar as injustiças e a corrupção, quanto mais desejardes um futuro melhor e vos comprometerdes a construí-lo. Cientes das vossas potencialidades, nunca vos fecheis em vós próprios, mas trabalhai por um futuro mais luminoso para todos. Nunca vos sintais sozinhos! A Igreja confia em vós, acompanha-vos, encoraja-vos e deseja oferecer-vos o que tem de mais precioso: a possibilidade de levantar os olhos para Deus, de encontrar Jesus Cristo – Ele que é a justiça e a paz.

Oh vós todos, homens e mulheres, que tendes a peito a causa da paz! Esta não é um bem já alcançado mas uma meta, à qual todos e cada um deve aspirar. Olhemos, pois, o futuro com maior esperança, encorajemo-nos mutuamente ao longo do nosso caminho, trabalhemos para dar ao nosso mundo um rosto mais humano e fraterno e sintamo-nos unidos na responsabilidade que temos para com as jovens gerações, presentes e futuras, nomeadamente quanto à sua educação para se tornarem pacíficas e pacificadoras! Apoiado em tal certeza, envio-vos estas reflexões que se fazem apelo: Unamos as nossas forças espirituais, morais e materiais, a fim de «educar os jovens para a justiça e a paz».




domingo, 18 de dezembro de 2011

Faça-se em mim segundo a tua palavra - IV Domingo do Advento - Lucas 1,26-38

Gabriel anuncia a Maria que ela vai ser a mãe do Salvador

Encontramos a narrativa do anúncio de Gabriel a Maria somente no Evangelho da Infância de Jesus segundo Lucas (Lucas 1-2). Ao comunicar os nascimentos de João, o profeta que prepara o caminho do Reino, e de Jesus, como o messias, o mensageiro Gabriel anuncia o início de uma nova história como resposta de Deus à súplica dos pobres.

A esperança vem de onde menos se espera

O evangelho proposto para o IV domingo do Advento deste ano é o anúncio de que o messias vai chegar e que algo novo irrompe na história (Lucas 1,26-38). A novidade que surge não vem através de pessoas importantes, mas por uma criança nascida de Maria. Pode-se espera algo de uma jovem mulher com sua frágil criança?

Também de pessoas idosas não se espera mais filhos. É o que expressa Zacarias, quando Gabriel lhe anuncia que seria pai do profeta João: "Estou velho e minha esposa já tem uma idade avançada". Além do mais, Isabel "era estéril" (Lucas 1,7.18). Da mesma forma, também de Maria não se esperava que fosse gerar um filho, pois ainda não havia tido relações com José, seu noivo (Lucas 1,34). A teologia a respeito da concepção de Jesus quer mostrar, de um lado, a ação salvadora de Deus na história das pessoas de quem não se espera mais nada. De outro, quer revelar que Jesus vem realizar a esperança profética da filiação divina do ungido de Deus. O fato de o anjo Gabriel se dirigir a uma mulher, algo incomum numa religião controlada por um clero exclusivamente masculino, é mais um sinal da novidade da ação de Deus que se encarnou em nossa história a partir de quem era excluída.

A novidade não vem dos grandes centros, mas o anúncio de sua chegada é feita a uma jovem em Nazaré, uma aldeia da periferia pouco importante para quem controla o templo de Jerusalém. "Quando Filipe encontra Natanael e lhe diz: ‘Encontramos aquele de quem escreveram Moisés, na Lei, e os profetas: Jesus, o filho de José, de Nazaré', Natanael lhe pergunta: ‘De Nazaré pode sair algo de bom?' Filipe então lhe diz: ‘Vem e vê'". (João 1,45-46) Mais adiante, alguns cidadãos honrados em Jerusalém perguntam: "O Cristo pode vir da Galiléia?" (João 7,41). Ou ainda, ao discutirem com Nicodemos, um dos discípulos de Jesus, vemos os chefes dos sacerdotes e os fariseus convencidos de que "da Galiléia não surge profeta" (João 7,52). Assim também será com o lugar do nascimento do menino, na periferia de Jerusalém. Conforme a esperança do profeta Miquéias, vai ser em Belém, uma aldeia insignificante, a menor entre todas (Miquéias 5,1).

Segundo o profeta Natã (2Samuel 7,8-16), esperava-se que o messias fosse da descendência de Davi. Podemos perceber isso no v. 27 ("José, da casa de Davi.") e no v. 32 ("O Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai."). Esperava-se também que seu reinado jamais terminasse. É o que se pode ler no v. 33 ("Ele reinará para sempre e seu reino não terá fim."). Além disso, tinha-se a expectativa de que fosse de filiação divina, como se pode ler nos vv. 32 e 35 ("Será chamado Filho do Altíssimo" e "Será chamado santo, Filho de Deus"). E é justamente no menino de Nazaré, longe da dinastia davídica da Judéia, que se revela essa realidade da filiação divina, da comunhão entre o céu e a terra, do divino que se faz humano para tornar o humano divino. E seu reinado não tem nada parecido com a glória e o poder dos palácios de Davi. Ao contrário, é um reinado de serviço à justiça do Reino, à vida dos mais pobres.

Convém notar que o messias não veio como um forte guerreiro, como autoridade sacerdotal ou como um grande legislador, tal como alguns grupos de judeus esperavam. Ao contrário, da mesma forma como sua mãe que vive no meio do povo pobre, sua vida revelou que o Reino de Deus está presente especialmente lá onde todas as pessoas podem circular, isto é, nos caminhos dos campos, nas casas, nas ruas da periferia. Estes são os espaços sagrados preferidos na prática de Jesus e não o templo legalista, cujas autoridades, decidiriam mais tarde a sua morte. Aliás, segundo a comunidade de Mateus, já queriam eliminá-lo quando ainda era um menino (Mateus 2,1-12).

A esperança quer se encarnar em nossas vidas

Para que esse agir libertador de Deus na história se torne realidade, algumas condições são necessárias, como contrapartida humana.

Em primeiro lugar, Maria, que representa todas as pessoas excluídas que esperam por um novo tempo, uma vez que é mulher, virgem, de uma aldeia periférica e pobre, não pode ter medo. O medo paralisa qualquer iniciativa emancipatória. "Não tenhas medo!", disse Gabriel a Maria (Lucas 1,30). Que medos precisamos vencer para nos colocar, como Maria, a serviço da palavra?

Uma segunda condição é ter forte experiência com o Deus do Êxodo, presença salvadora no meio de seu povo. Da mesma forma como no passado a nuvem de Deus projetara sombra sobre a tenda de Javé e acompanhara a caminhada pelo deserto em direção à terra da liberdade (Êxodo 40,34-38), assim "o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra" (Lucas 1,35), tornando possível a encarnação libertadora de Deus na história. Também a saudação de Gabriel em Lucas 1,28 ("O Senhor está contigo") é igual ao que Deus diz a Moisés no Êxodo (Êxodo 3,12) e aos profetas (Jeremias 1,8.19). O que impede deixar-nos envolver pela nuvem de Deus para que nos transfigure, revelando em nosso ser, como Maria, a presença do Deus Emanuel?

Uma terceira pressuposição é que haja da parte humana uma atitude de fé, isto é, acreditar que é possível a ação divina em nós. É o que Isabel dirá logo adiante a Maria: "Feliz aquela que acreditou" (Lucas 1,45). Nós cremos, Senhor. Mas, como Maria, queremos avançar mais em nossa fé. Por isso, ajuda-nos na nossa incredulidade (Marcos 9,24).

Por fim, uma quarta condição é nossa postura de serviço: "Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lucas 1,38). E, imediatamente, Maria se pôs a serviço de Isabel, a idosa que gestava o precursor da missão profética de seu filho Jesus (Lucas 1,39-45). Ó Deus, que te revelas na fragilidade e na ternura da criança, queremos abrir a porta de nosso coração à tua graça e deixar-nos transformar na intimidade do teu amor. Amém!

Ildo Bohn Gassé autor da Série Uma Introdução à Bíblia 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O anjo anunciador e a Igreja evangelizadora

Por Cardeal Odilo P. Scherer, Arcebispo de São Paulo – SP e Presidente do Regional Sul 1 da CNBB



“Evangelho” tem tudo a ver com “anjo” e com “anúncio bom”. Na Bíblia, há os anjos que trazem bons anúncios, sobretudo Gabriel, que apareceu, entre outros, a Zacarias e lhe anunciou o nascimento de João Batista; assustou a jovem Maria de Nazaré (mas logo a acalmou!), anunciando-lhe que ela seria a mãe do Salvador.

Muitos outros anúncios bons foram feitos aos homens por anjos de Deus: na noite de Belém, o anjo anunciou aos pastores a “boa notícia do nascimento do Salvador: “será notícia boa para o povo todo!”. O anjo da ressurreição anuncia a Madalena que Jesus não estava mais entre os mortos mas havia ressuscitado... Na palavra “Evangelho” está embutida a palavra “anjo”, que significa “mensageiro”.

O Evangelho é anúncio bom, boa notícia de Deus para o homem. Hoje a Igreja é o anjo anunciador dessa Boa Nova para a humanidade; cada evangelizador faz o mesmo papel do anjo-mensageiro, que tem coisas muito boas para comunicar. Não é bonito isso?! Jesus quis que assim fosse e que todos os seus discípulos também fossem missionários. Mas... pobres de nós! Será que estamos bastante convencidos disso e não acabamos escondendo ou retendo só para nós a boa notícia? E será que as pessoas estão ainda interessadas em ouvir notícias boas neste nosso tempo saturado de comunicação superficial e falsos anúncios?

Temos agora, na preparação para o Natal, uma ocasião muito boa para renovar a consciência sobre algumas coisas. A notícia boa vale para nós, em primeiro lugar; Deus pensa em nós, sabe de cada um de nós, ama-nos imensamente! Para nós enviou seu Filho, para comunicar-nos seu amor e sua vida e para revelar-nos quanto somos importantes para Ele! O Advento e o Natal convidam à alegria e esperança!

A segunda tomada de consciência, é que nós mesmos, cada um de nós, é também um anjo-mensageiro. A Campanha para a Evangelização nos recorda que somos todos chamados a também ser evangelizadores, ou seja, anunciadores, não por um dever e uma obrigação pesada: os pastores, na noite de Natal, ficaram muito admirados e entusiasmados com a contemplação do menino Jesus na gruta de Belém; estavam felizes por tudo o que tinham visto e ouvido. E saíram, louvando a Deus e contando para todo mundo a experiência que tiveram. Também os apóstolos, mesmo sob ameaças e torturas, continuavam a dizer, “não podemos calar, não podemos deixar de falar do que vimos e ouvimos!” Por sua vez, São Paulo dizia: “Ai de mim, se eu não evangelizar”: não porque estivesse sob ameaça ou pressão, mas porque não podia calar e sentia a necessidade interior, feliz e alegre, de falar aos outros daquilo que ele próprio experimentou.

A evangelização só é possível depois, e a partir, de um profundo, alegre e marcante encontro com Deus, por meio de Jesus Cristo! E isso pode acontecer de muitas maneiras: na Palavra de Deus ouvida e acolhida, na Eucaristia; na participação profunda da vida eclesial, no irmão que sofre, numa experiência mística de oração e contemplação... Nós não anunciamos uma idéia, mas testemunhamos fatos, falamos de uma pessoa!

Advento e Natal, vividos bem, fazem-nos mensageiros, como o anjo da noite de Belém. Fazemos a Novena de Natal, arrumamos presépios, rezamos mais, procuramos a confissão, organizamos ações de solidariedade, enviamos cartões, damos presentes, cantamos alegres...

Tudo isso é expressão do nosso papel de “anjos anunciadores” da Boa Notícia do Natal! Se o fazemos bem, certamente alguém vai acolher a mensagem... E Deus fará muito mais do que somos capazes de fazer sozinhos!

Para que este anúncio não cesse e chegue a toda parte, a Igreja promove a Campanha para a Evangelização. Todos os batizados receberam a missão de serem anjos mensageiros da Boa Nova. Mas alguns assumiram isso como a grande tarefa de suas vidas, como missionários, padres, religiosos, catequistas. Eles precisam de nosso especial apoio! Dia 11 de dezembro, próximo domingo, será feita a coleta para promover a evangelização em todas as nossas igrejas. Esta obra depende de nossa fé e de muita generosidade!




quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Advento: tempo de alegria e esperança

Dom Fernando Mason, Bispo Diocesano de Piracicaba


A Igreja está celebrando o Tempo do Advento, marcando o começo de um novo Ano Litúrgico. Liturgia significa “serviço”, portanto iniciamos um novo ano de serviço a Deus!

O Advento é um tempo especial em que somos convidados a uma atitude de vigilância e expectativa, preparando-nos para a celebração do nascimento de Jesus Cristo. As leituras deste tempo nos convidam à vigilância, à oração, à conversão, à abertura para ouvir e acolher a palavra de Deus como fez Maria. São textos proféticos que nos incitam à mudança de vida, à espera do Salvador que vem, vivendo hoje o mesmo espírito de preparação do povo do Antigo Testamento.

É um tempo propício de penitência, mas também de alegria e esperança na vivência do mistério da encarnação de Deus que veio para nos salvar. Ele se fez homem no seio da Virgem Maria e assumiu plenamente nossa humanidade, igual a nós em tudo, exceto no pecado, como nos lembra o apóstolo Paulo.

O Advento é tempo de espera desse grande evento da história humana: a visita do nosso Deus e Pai pelo nascimento de seu filho, Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele é a grande graça de Deus para nós. A percepção desta graça leva a nós cristãos a festejar.

Esta festa é tão alegre, grande e contagiante que dela participam até aqueles que não o conhecem ou se tornaram indiferentes a Ele.
Deixando de lado formas pagãs de festejar, que por vezes afetam até nós cristãos, o Advento e a celebração do Natal são grandes momentos de retomada da nossa adesão a Jesus Cristo.

Esta retomada consiste na vontade nossa de nos deixar evangelizar por Jesus Cristo e engajar-nos em nome dele na evangelização dos que se afastaram dele, ou se tornaram indiferentes, ou ainda o desconhecem.

O Advento nos prepara para o Natal, a celebração do mistério de Deus que se faz criança e assume nossa humanidade. Natal é a abertura do homem para um horizonte maior, horizonte que lhe dá a possibilidade de ter e realizar um sentido de vida que o conduza e o satisfaça, fazendo com seja verdadeiramente ele mesmo, portanto salvo. Pois no Natal celebramos o inaudito: Deus se fez (e liturgicamente sempre se faz) homem. Natal é o anúncio da benignidade de Deus, da surpreendente comunhão entre o divino e o humano, uma comunhão que é “salus”, isto é, saúde radical, salvação.

Natal é salvação não no sentido de que o homem, para ter abertura, comunhão e participação com o divino, deve se tornar menos homem, mas que deve se tornar tão homem quanto Jesus Cristo o foi. É grande este mistério de bondade.

A compreensão e a recepção deste mistério na vida nossa pessoal, eclesial, comunitária e social não é fácil, e não é fácil fazer com que ela se torne “história”. Ela implica transformação. E a transformação do ser humano é sempre processo lento, que exige constância, empenho e vigilância, numa saudável repetição de reflexões e exercícios religiosos.

Durante o Advento, a Igreja no Brasil realiza a Campanha da Evangelização. Ela é a possibilidade que nos é dada de nos tornarmos solidários com todo o processo de evangelização, colocando à disposição do Evangelho pequena parcela de nossos recursos como sinal de gratidão por termos sido nós próprios alcançados pelo Santo Evangelho.

O tempo litúrgico do Advento é destinado ao cultivo desse empenho e dessa vigilância, passando pela boa percepção da insuficiência, fragilidade e maldade da “condição humana”. Quanto mais fizermos ecoar em nós esta experiência, com maior alegria estaremos celebrando o Natal, pois perceberemos pela experiência que, em Jesus Cristo, o divino faz de fato levedar o humano e lhe dá transformação e sentido pleno.

Vivendo o Advento, portanto, já estamos celebrando o Natal. E celebrando o Natal, estaremos de fato vivendo o feliz Advento do Senhor.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Bento XVI fala da oração de Jesus

Papa Bento XVI se reuniu com fiéis e peregrinos na Sala Paulo VI, no Vaticano, para a tradicional Audiência Geral das quartas-feiras. Em sua catequese, o Papa falou da oração de Jesus em suas obras milagrosas, como no caso da cura de um surdo-mudo ou da ressurreição de Lázaro que lemos nos Evangelhos.
Neles, vemos como o Senhor se comove e se faz portador da pena da pessoa afligida. A primeira iniciativa de Jesus é pedir ao Pai que faça valer sua ação benéfica. Assim, a compaixão por quem sofre provoca a súplica a Deus, que cura através da sua força sanadora. Deste modo, Jesus manifesta sua relação singular com o Pai. E ilumina também a importância de nossa oração de súplica, pois consiste antes de tudo em depositar o caso com confiança nas mãos de Deus, capaz de superar qualquer limite humano, testemunhando sua presença entre nós, conscientes de que, em qualquer situação, o dom mais precioso quando O invocamos é sua amizade, seu amor infinito por cada um.

Após a catequese, o Santo Padre fez um resumo em várias línguas, entre as quais o português:

"Queridos irmãos e irmãs. No Evangelho, vemos Jesus rezar ao Pai do Céu, antes de realizar os milagres. Assim acontece na cura de um surdo-mudo, como ouvistes ler no princípio da Audiência: «erguendo os olhos ao Céu», Jesus entra em relação com o Pai, que atua através d’Ele. A força que curou o surdo-mudo foi certamente provocada pela compaixão pelo doente que Jesus quer ajudar, mas provém do seu apelo ao Pai. Temos um exemplo ainda mais claro na ressurreição de Lázaro: diante do túmulo, Jesus «erguendo os olhos ao céu, disse: “Pai, dou-Te graças por Me teres atendido”» (Jo 11, 41). Sabemos assim que, desde quando soube do amigo gravemente doente, Jesus não cessou um momento sequer de pedir pela sua vida. Esta oração continua e reforça a união de Jesus com o seu amigo Lázaro e, ao mesmo tempo, confirma a sua decisão de permanecer em comunhão com a vontade do Pai, com o seu plano de amor que previa a doença e a morte de Lázaro como lugar onde havia de manifestar-se a glória de Deus.

Saúdo cordialmente os grupos brasileiros da diocese de Pato de Minas e da paróquia de Silvânia e restantes peregrinos de língua portuguesa, a todos recordando que a oração abre a porta da nossa vida a Deus. E Deus ensina-nos a sair de nós mesmos para ir ao encontro dos outros que vivem na prova, dando-lhes consolação, esperança e luz. De coração, a todos abençôo em nome do Senhor."



segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Nossa Senhora de Guadalupe - padroeira da América Latina

Como toda aparição de Nossa Senhora, a que é venerada hoje é também emocionante. Talvez esta seja uma das mais comoventes, pelo milagre operado no episódio e pela dúvida lançada por um Bispo sobre sua aparição a um simples índio mexicano.

Tudo se passou em 1531, no México, quando os missionários espanhóis já haviam aprendido a língua dos indígenas. A fé se espalhava lentamente por essas terras mexicanas, cujos rituais astecas eram muito enraizados. O índio João Diogo havia se convertido e era devoto fervoroso da Virgem Maria. Assim foi o escolhido para ser o portador de Sua mensagem às nações indígenas. Nossa Senhora apareceu a ele várias vezes.

A primeira vez quando o índio passava pela Colina de Tepyac, próximo à Cidade do México, atual capital, a caminho da igreja. Maria lhe pediu que levasse uma mensagem ao Bispo. Ela queria que naquele local fosse erguida uma capela em sua honra. Emocionado o índio procurou o Bispo João de Zumárraga e contou-lhe o ocorrido. Mas o sacerdote não deu muito crédito à sua narração, não dando resposta se iria, ou não iniciar a construção.

Passado uns dias Maria apareceu novamente a João Diogo, que desta vez procurou o Bispo com lágrimas nos olhos, renovando o pedido. Nem as lágrimas comoveram o Bispo, que exigiu do piedoso homem uma prova de que a ordem partia mesmo de Nossa Senhora.

Deu-se então o milagre. João Diogo caminhava em direção à capital por um caminho distante da Colina onde anteriormente as duas visões aconteceram. O índio, aflito, ia à procura de um sacerdote que desse a extrema unção a um tio seu, que agonizava. De repente Maria apareceu à sua frente, numa visão belíssima. O tranqüilizou quanto à saúde do tio, pois avisou que naquele mesmo instante ele já estava curado.
Quanto ao Bispo, pediu a João Diogo que colhesse rosas no alto da colina e as entregasse ao religioso. João ficou surpreso com o pedido, porque a região era inóspita e a terra estéril, além de que, o país atravessava um rigoroso inverno. Mas obedeceu e novamente surpreso encontrou muitas rosas, recém-desabrochadas. João colocou-as no seu manto e, como a Senhora ordenara, foi entregá-las ao Bispo, como prova de sua presença.

E assim fez o fiel índio. Ao abrir na frente do Bispo o manto cheio de rosas, ele viu se formar impressa uma linda imagem da Virgem, tal qual o índio a descrevera antes, mestiça. Espantado, o Bispo seguiu João até a casa do tio moribundo e este já estava de pé, forte e saudável. Contou que Nossa Senhora "morena" lhe aparecera também, o teria curado e renovado o pedido. Queria um santuário na colina de Tepyac, onde sua imagem seria chamada de Santa Maria de Guadalupe. Mas não explicou o porquê do nome.

A fama do milagre se espalhou. Enquanto o templo era construído, o manto com a imagem impressa ficou guardado na capela do paço episcopal. Várias construções se sucederam na colina, ampliando templo após templo, pois as romarias e peregrinações só aumentaram com o passar dos anos e dos séculos.

O local se tornou um enorme Santuário abriga a imagem de Nossa Senhora na famosa Colina e ainda se discute o significado da palavra Guadalupe. Nele está guardado o manto de Santo João Diego, em perfeito estado apesar de passados tantos séculos. Nossa Senhora de Guadalupe é a única a ser representada como mestiça, com o tom de pele semelhante ao das populações indígenas. Por isso o povo a chama carinhosamente de "La Morenita", quando a celebra no dia 12 de dezembro, data da última aparição.

Foi declarada padroeira da América Latina, em 1910, pelo Papa Pio X e, em 1945, Pio XII deu-lhe o título de Imperatriz da América. Em 1979, como extremado devoto mariano, o Papa João Paulo II visitou esse Santuário e consagrou solenemente toda a América Latina a Nossa Senhora de Guadalupe.

 

Nossa Senhora de Guadalupe, a "Pedagoga" da fé

Cidade do Vaticano (RV) - Cresce a expectativa para a celebração na segunda-feira, 12, da Santa Missa na festividade de Nossa Senhora de Guadalupe, que será presidida por Bento XVI por ocasião do bicentenário de independência dos países latino-americanos.

A celebração, organizada pela Pontifícia Comissão para a América Latina (CAL), terá a presença de cardeais e bispos provenientes de todo o continente, além de personalidades políticas e diplomáticas. Antes da Missa, alguns jovens latino-americanos atravessarão a nave central da Basílica vaticana carregando as bandeiras dos países que compõem o continente, e homenagearão a imagem da Virgem de Guadalupe colocada aos pés do altar. A Rádio Vaticano transmitirá a Missa ao vivo a partir das 16h50 (13h50, horário de Brasília).

Sobre a importância deste evento, o Programa hispano-americano entrevistou o Secretário da CAL, Prof. Guzmán Carriquiry:

Prof. Carriquiry:– "É um grande gesto de afeto do Papa pela América Latina, de solicitude pastoral para com as Igrejas no continente. Certamente, a América Latina sofre com a chaga da violência, do narcotráfico, da desigualdade e dos ataques à família, mas não só: a América Latina vive também um momento propício de um grande crescimento econômico, de superação da pobreza, de um protagonismo renovado no cenário internacional."

Para Carriquiry, a Igreja na América Latina vive grandes desafios, mas o maior deles é dentro da própria Igreja: "O maior desafio é como acolhe, adere, celebra, vive e comunica o grande patrimônio de fé que a Providência de Deus deu aos povos da América Latina".

Nesse sentido, acrescenta o Professor,, a Missa de 12 de dezembro ajudará a realizar na vida "da nossa gente aquilo que confessamos através da fé, mas também através da experiência histórica e pessoal dos latino-americanos, ou seja, de que a Cristo se chega através de Maria".

Nossa Senhora de Guadalupe é a “Pedagoga” da fé, da inculturação da fé no coração dos nossos povos, concluiu Carriquiry, "e esta Missa será um chamado para todos os latino-americanos a reviver e atualizar a consciência da verdade, da dignidade e da beleza do ser cristão". (BF)



domingo, 11 de dezembro de 2011

3º Domingo do Advento - Alegrai-vos, o Senhor está perto! Jo 1,6-8.19-28


Endireitai o caminho do senhor!

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Neste terceiro domingo do Advento, refletimos sobre João Batista, simbolizado pela 3ª vela da coroa de Advento, aquele que preparou o caminho para Jesus. João Batista denuncia as injustiças do seu tempo, e aponta para aquele que é a luz. É interessante perceber que sempre refletimos sobre João Batista, este importante personagem bíblico, nos "meios tempos", isto é, no meio do ano, na festa de São João (24 de junho) e agora antes do Natal.
A vida e a história de João Batista nos acompanham ao longo do ano, lembrando-nos da importância da humildade, de ter a coragem de dizer "Não" e do testemunho da verdade!

É interessante observar que, já no prólogo do Evangelho de João, em 1,6-8 ele é mencionado, e na continuidade, encontramos todo um texto dedicado a ele (João 1,19-34).  Em nossa reflexão, vamos privilegiar o texto de João 1,6-8,19-28.  

João Batista - testemunha da luz (João 1,6-8)  

No Evangelho de João, João Batista é identificado como a primeira testemunha da luz. "Ele veio como testemunha para que testificasse a respeito da luz, a fim de todos virem a crer por intermédio dele". O que significa ser testemunha da luz? João Batista vem na frente para testemunhar a luz. A luz ilumina! Ela traz a verdade à tona. A luz não quer esconder nada! Como é triste uma vida sem luz! Na verdade, a vida não existe sem luz! Vida e luz estão interligadas! Portanto, João é portador do anúncio de uma vida boa, justa, abundante. Ele anuncia esta vida. João é testemunha. Testemunha é alguém portador de uma verdade. Alguém que presenciou um fato!

É interessante que o Evangelho de Lucas conta que quando as mães grávidas Maria e Isabel se encontraram, a criança no ventre de Isabel se mexeu de alegria. Já ali o bebê João Batista dá testemunho de alegria da criança que está no ventre de Maria. Esta comunicação das barrigas grávidas de Maria e Isabel, guardada no registro do Evangelho de Lucas 1,39-45, já nos fala desta testemunha da luz! Ser testemunha é partilhar da alegria da luz! A luz só tem sentido se ela é partilhada!

João Batista anuncia para toda a gente a chegada da luz. Ele chamou a todos e todas a crerem na luz da vida! O Evangelho de João também afirma: "Ele não era a luz, mas veio para que testificasse da luz". João Batista não era a luz. Ele veio para ser testemunha da luz.

"Eu não sou..." (João 1,19-21)  

O texto inicia, apontando novamente para a importância do testemunho de João: "Este foi o testemunho de João quando os judeus lhe enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para lhe perguntarem: Quem és tu?". (João 1,19) Para o evangelista, é muito importante a ênfase no testemunho.
O que significa ser testemunha? "Testemunhar é a missão divina de João Batista. (...) Para a teologia do Evangelho de João, o tema do testemunho de Cristo é muito importante" (cf. João 5,31ss, 8,14). (...) A verdade da encarnação de que Jesus é o Filho de Deus precisa ser testemunhada por outros. O testemunho tem a função de uma prova de verdade.[1]

A missão da comitiva de sacerdotes e levitas, vinda de Jerusalém, é interrogar João: "Quem és tu?" Este fato revela que João tinha um grupo de seguidores e era um personagem popular em seu tempo.
O evangelista apresenta, portanto, a resposta de João como uma confissão: "ele confessou e não negou, confessou: Eu não sou o Cristo" (João 1,20). Confessar que não é o Cristo significa confessar que não é o Messias. Os interrogadores continuam: "Quem és, pois? És tu Elias? Ele disse: Não sou. És tu o profeta? Respondeu: Não" (João 1,21). A resposta de João é firme: "Não sou!" Ter a coragem de dizer Não é ter a certeza da verdade, do Sim!

"Declara-nos quem és?" (João 1,22ss)  

A comitiva dos interrogadores vindos de Jerusalém não se conforma. "Disseram-lhe, pois: Declara-nos quem és, para que demos resposta àqueles que nos enviaram; que dizes a respeito de ti mesmo?" E João então respondeu: "Eu sou a voz do que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor, como disse o profeta Isaías" (João 1,23). João faz referência ao profeta Isaías, no entanto, é importante observar que a citação não é igual a do livro do profeta. Em Isaías 40,3 encontramos o seguinte: "Eis a voz do que clama: preparai no deserto o caminho do Senhor; endireitai no ermo uma estrada para o nosso Deus". Isaías é o grande profeta da esperança messiânica.

Provavelmente, a citação de João não é uma citação direta do profeta Isaías. Mas, é interessante observar que João responde, dizendo: "Eu sou a voz que clama no deserto". João é a voz que clama no deserto. Nos desertos da vida, João não tem medo, ele clama e convoca: "Endireitai o caminho do Senhor..." Isto significa que o caminho do Senhor estava com problemas. Isto é, a forma de vida que Deus queria para o seu povo, não estava sendo respeitada.  É necessário endireitar O caminho, para que a Luz possa brilhar para toda a gente.

Portanto, João é identificado como aquele que prepara o caminho. Isto significa que o ministério de João Batista fundamenta-se na tradição, e a partir da Escritura (Isaías 40,3). Assim, confirma-se o que João já tinha confessado: ele não é o Messias, e sua missão é preparar o caminho do Messias. Percebe-se aqui um confronto entre um grupo que afirma ser João o Messias e a comunidade do Evangelho de João que afirma que João Batista era somente aquele que veio preparar o caminho, isto é, testemunhar da luz. Ele é o anunciador, a voz que clama no deserto!

De acordo com Schneider-Harpprecht:
João é como Dêutero-Isaías e Moisés, um dos líderes religiosos que abre espaço para a futura salvação. A sua voz no deserto, o seu grito anuncia o novo êxodo do povo de Deus, a nova vida no país prometido, o reino de Deus. O grito da voz no deserto é radical, o grito por justiça social e pessoal, arrependimento, uma prática renovada, como a tradição sinótica mostra mais do que o Evangelho de João.[2]
Sim, João aponta com firmeza para o novo. Ele é a voz que clama no deserto, que não cala, apesar do deserto! Provavelmente, a realidade do deserto faz clamar e apontar para a necessidade de endireitar o caminho do Senhor.

Então, porque batizas (João 1,25-28)

O interrogatório, no entanto, continua. "Ora, os que haviam sido enviados eram de entre os fariseus. E perguntaram-lhe: Então, por que batizas se não és o Cristo, nem Elias, nem o profeta? Respondeu-lhes João: Eu batizo com água; mas, no meio de vós, está a quem vós não conheceis, o qual vem após mim, do qual não sou digno de desatar-lhe as correias das sandálias".
João encontra-se no processo de transição do velho para o novo. Ele aponta para o novo, a partir do clamor no deserto.[3]

Ele batiza com água por que a sua missão é apontar para o Cristo encarnado (o qual vem após mim, do qual não sou digno de desatar-lhe as correias das sandálias). João mostra toda a sua humildade em seu testemunho. Ele não é um fim em si mesmo. Ele aponta para a Luz verdadeira. Tudo nele indica Cristo. Por isto, não hesita em dizer que não é o Messias, que não é Elias e tampouco se considera um profeta. O testemunho de João Batista é um Sim radical para a verdadeira luz (João 1,9). Ao aceitar ser menor e ter que diminuir, tal como lemos no Evangelho de João 3,30: "Convém que ele cresça e que eu diminua", João Batista torna-se a testemunha por excelência da verdadeira Luz.

Em nenhum momento do interrogatório, João Batista procura se igualar ao Messias. Sempre de novo mostra a sua humildade. Ele é uma testemunha fundamental na história da salvação. Jesus Cristo deve ocupar o centro da vida das pessoas. Somente nele deve-se depositar toda a confiança e segurança!

Importância hoje de ser voz que clama no deserto

João Batista, sem dúvida, com sua coragem e testemunho de dizer "Eu não o sou", nos encoraja, neste tempo de Advento, de preparação e vigilância, para não nos conformarmos com o sistema neoliberal, no qual vivemos. Como é importante dizer "não" ao consumismo, a preparação que nos é oferecida pelo mercado, onde as mercadorias desejam nos deixar satisfeitas/os e com a sensação de que tudo vai bem ao nosso redor. O símbolo da coroa de Advento, como já foi mencionado, nasceu na periferia da história, de um trabalho pastoral diacônico junto às crianças e a jovens órfãos.

Qual é o símbolo que nos acompanha neste tempo de Advento, em 2011? Que vozes clamam no deserto e nos convidam a endireitar o caminho do Senhor? No Brasil, a desigualdade social, continua a reinar. Continuamos a ser, apesar das tantas riquezas, um dos países mais desiguais do mundo. Como temos clamado contra a desigualdade? O que tem nos motivado a dizer profeticamente "não"? Experimentamos uma sociedade desigual, que exclui e mata os pobres. Lembro do recente assassinato do cacique Nísio Gomes e o desaparecimento de outros quatro indígenas do povo Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Neste tempo de Advento, seu grito por justiça ecoa forte entre nós!

Não se pode emudecer o grito, o clamor no deserto por justiça e pelo direito de viver, do povo de Deus. O grito, o clamor no deserto, a partir de Cristo, torna-se testemunho: a luz verdadeira quer brilhar e transformar o deserto da vida. Por isso, tempo de Advento é um novo tempo, uma nova oportunidade também para descobrirmos e buscarmos sinais de transformação na vida pessoal, familiar, comunitária e em nosso engajamento social. Onde percebemos sinais de transformação na Igreja, na sua missão e atuação diacônica, nos movimentos sociais do nosso povo, e em nós mesmos, pessoas, batizadas e amadas por Deus?

Que tenhamos a coragem e a humildade de testemunharmos, de sermos voz que clama no deserto, aceitando-nos como pessoas fracas, limitadas, pecadoras, humanas, mas, ao mesmo tempo, com um grande valor, justas e amadas por Deus. Que o Advento, a partir do testemunho de João Batista, tenha um sabor de que a busca pela vida plena e justa é o que realmente importa. Que consigamos testemunhar e colocar sinais da vida plena, da verdadeira luz, que é Cristo, em nosso mundo! Que a nossa voz e a das pessoas sofridas e oprimidas não se cale, mas que a voz que clama no deserto transforme-se, a partir da criança nascida no Natal, em testemunho de luta por vida em abundância!

A coroa de Advento

Neste terceiro domingo, como sinal de preparação e vigilância, acendemos a terceira vela da coroa de Advento. O Advento significa chegada já presente do filho Deus. Nós somos comunidade a caminho. Vivemos no "meio tempo", "no já e ainda não"! Nós vivemos historicamente entre o Advento que já se realizou e o Advento definitivo que ainda se realizará com a vinda definitiva de Jesus Cristo. Como afirma o poeta: "O caminho se faz ao caminhar".

A comunidade cristã, ao longo de sua história, encontrou um jeito muito bonito e criativo de preparar esta chegada-presença do nosso Deus, que se fez carne entre nós, na criança que nasceu em Belém. Famílias e comunidades cristãs confeccionam para este período, a coroa de Advento. Esta tradição tem origem no trabalho diacônico, com crianças e jovens órfãos. A coroa de Advento foi confeccionada em 1833, em Hamburgo-Alemanha, pelo pastor luterano Johann Hinrich Wichern. Primeiramente, ela tinha 24 velas em ordem crescente e para cada domingo que antecedia o Natal, uma vela maior. Nas comunidades católicas, a coroa de Advento, foi introduzida após a segunda guerra mundial.

Os elementos da coroa de Advento têm o seu significado: A coroa simboliza a eternidade, a terra, o sol, Deus. As velas significam a Luz, que no Natal é presenteado, em Cristo, para a humanidade. Em cada domingo, acendemos uma vela da coroa de Advento, que lembram histórias e personagens bíblicos:

1. Domingo de Advento - Entrada de Jesus em Jerusalém,
2. Domingo de Advento - Volta de Cristo,
3. Domingo de Advento - João Batista - precursor de Cristo,
4. Domingo de Advento - Maria - mãe de Jesus.[4]

(Claudete é colaboradora do CEBI.
Pastora da IECLB em intercâmbio com a Igreja Evangélica da Alemanha, trabalhando na Igreja Territorial de Hannover).



[1] SCHNEIDER-HARPPRECHT, Christoph. 3° Domingo de Advento: João 1.16-8, 19-28. Proclamar Libertação XIX, coord. Edson Edilio Streck e Nelson Kilpp, São Leopoldo: Sinodal, 1993.  p. 23.
[2]    SCHNEIDER-HARPPRECHT, Christoph. 3° Domingo de Advento: João 1.16-8, 19-28. Proclamar Libertação XIX, coord. Edson Edilio Streck e Nelson Kilpp, São Leopoldo: Sinodal, 1993.  p. 24.
[3]    Veja interessante reflexão de SCHNEIDER-HARPPRECHT, Christoph. 3° Domingo de Advento: João 1.16-8, 19-28. Proclamar Libertação XIX, coord. Edson Edilio Streck e Nelson Kilpp, São Leopoldo: Sinodal, 1993.  p. 22-26.
[4]    HANNEMANN, Holger. EKD Flyer zum Advent ap. Die Stimme, Zeitschrift der Evangelisch Gemeinden Muhlenberg-Ricklingen, N. 12/1, Dezember 2011/Januar 2012, p. 4.

Fonte: http://www.cebi.org.br/noticia.php?secaoId=1&noticiaId=2602