Por Juliano Rigatti
Era uma vez uma família. Um dia, enquanto conversavam animadamente na sala, um berro, um grito agudo os interrompeu. "Que foi???", a filha encarou a mãe. "Um rato!!!", respondeu-lhe aquela senhora pálida, do alto de sua histeria e de sua cadeira. Acuado, o pequeno intruso congelou entre a estante e a caixa de som. Só os observava. Não se atrevia a mexer nem o rabo. Prendeu a respiração. Seis pares de olhos o observavam igualmente paralisados. "Tu vais esperar quantas horas, pai?", questionou a filha adolescente, exigindo uma atitude. "Não!!!", a mãe interrompeu a reação do pai, "e sujar a parede?!". "Então o que vocês querem?", revoltou-se o filho, pegando um pé do tênis. "Deixem ele", falou o pai, com toda sua autoridade de pai. O rato soltou o fôlego. "Essa noite, montarei uma ratoeira e amanhã cedo tudo estará acabado". A mobilização de todos se desfez e o bichano desapareceu por baixo da TV.
Havia um rato naquela sala. Assustada, a família mobilizou-se para matá-lo, para eliminá-lo dali. Agiram como todos agiriam. Afinal, o rato era o problema. A solução, portanto, era acabar com aquele roedor assustado e restabelecer a paz.
Até que outro rato aparecesse.
Só há ratos onde há restos de comida, onde há sujeira, onde há lixo exposto. Onde há omissão e maus hábitos de adultos e crianças. Mas ignoramos essas circunstâncias e depositamos a atenção no rato. É comum colocarmos nosso foco em providências mais fáceis de serem tomadas. É assim que a sociedade costuma agir com os seus problemas estruturais. É assim que aprendemos a agir contra a epidemia da dependência química: ainda estamos tentando matar o rato que está na sala.
É preciso avançar. É preciso descobrir o que leva o rato até aquela casa. É preciso investigar o que o atrai e o que o sustenta. Que comportamentos inadequados a família cultivava antes mesmo da droga chegar? Em que se omitiu? Que maus hábitos são cultivados naquele lugar até hoje? Por quanto tempo os sinais do problema foram ignorados? O culpado é sempre o outro? A família está disposta a mudar as suas atitudes se o dependente aceitar o tratamento? E quando ele voltar, como será? E o filho mais novo, terá o mesmo destino? O pai ainda exige que façam o que ele diz, mas não façam o que ele faz?
Em todo lar em que a droga fez um doente há inúmeros questionamentos como esses sem resposta. Há perguntas como essas sendo ignoradas. E há milhares de famílias, pobres, ricas, com ou sem vivência religiosa, com grande potencial para enfrentar o mesmo drama.
O rato precisa ser morto? Claro que sim. Transitando pela sala, ele pode transmitir doenças e pode chamar outros ratos e outros insetos. É preciso alertar a população para aos malefícios das substâncias químicas? Claro que sim. Mas isso é muito pouco. O fato é que em uma sociedade desestruturada, com valores superficiais e famílias desnorteadas, o vazio existencial surgirá e a droga será a alternativa de muitos, mesmo que saibam de seus males e de suas consequências.
Famílias, voltemos para a cozinha! Vamos em busca do que não está certo, dos restos de comida, da omissão, dos maus hábitos. Da falta de cooperação, do respeito às diferenças e aos limites de cada um; procurem o lixo exposto, a permissividade em excesso, a falta de respeito com pai e mãe, a ausência de religiosidade, a individualidade. Deve haver muita sujeira na despensa, deve haver falta de bons exemplos e do amor que ama, mas que não aceita o que está sendo feito de errado.
Há um rato na sala, sabemos que há.
Mas ele é só um sintoma inevitável de problemas muito mais graves.
Fonte: http://www.mundoalegraivos.com/2011/08/ha-um-rato-na-sala.html
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