domingo, 28 de agosto de 2011

HÁ UM RATO NA SALA

Por Juliano Rigatti

Era uma vez uma família. Um dia, enquanto conversavam animadamente na sala, um berro, um grito agudo os interrompeu. "Que foi???", a filha encarou a mãe. "Um rato!!!", respondeu-lhe aquela senhora pálida, do alto de sua histeria e de sua cadeira. Acuado, o pequeno intruso congelou entre a estante e a caixa de som. Só os observava. Não se atrevia a mexer nem o rabo. Prendeu a respiração. Seis pares de olhos o observavam igualmente paralisados. "Tu vais esperar quantas horas, pai?", questionou a filha adolescente, exigindo uma atitude. "Não!!!", a mãe interrompeu a reação do pai, "e sujar a parede?!". "Então o que vocês querem?", revoltou-se o filho, pegando um pé do tênis. "Deixem ele", falou o pai, com toda sua autoridade de pai. O rato soltou o fôlego. "Essa noite, montarei uma ratoeira e amanhã cedo tudo estará acabado". A mobilização de todos se desfez e o bichano desapareceu por baixo da TV.

Havia um rato naquela sala. Assustada, a família mobilizou-se para matá-lo, para eliminá-lo dali. Agiram como todos agiriam. Afinal, o rato era o problema. A solução, portanto, era acabar com aquele roedor assustado e restabelecer a paz.

Até que outro rato aparecesse.

Só há ratos onde há restos de comida, onde há sujeira, onde há lixo exposto. Onde há omissão e maus hábitos de adultos e crianças. Mas ignoramos essas circunstâncias e depositamos a atenção no rato. É comum colocarmos nosso foco em providências mais fáceis de serem tomadas. É assim que a sociedade costuma agir com os seus problemas estruturais. É assim que aprendemos a agir contra a epidemia da dependência química: ainda estamos tentando matar o rato que está na sala.

É preciso avançar. É preciso descobrir o que leva o rato até aquela casa. É preciso investigar o que o atrai e o que o sustenta. Que comportamentos inadequados a família cultivava antes mesmo da droga chegar? Em que se omitiu? Que maus hábitos são cultivados naquele lugar até hoje? Por quanto tempo os sinais do problema foram ignorados? O culpado é sempre o outro? A família está disposta a mudar as suas atitudes se o dependente aceitar o tratamento? E quando ele voltar, como será? E o filho mais novo, terá o mesmo destino? O pai ainda exige que façam o que ele diz, mas não façam o que ele faz?

Em todo lar em que a droga fez um doente há inúmeros questionamentos como esses sem resposta. Há perguntas como essas sendo ignoradas. E há milhares de famílias, pobres, ricas, com ou sem vivência religiosa, com grande potencial para enfrentar o mesmo drama.

O rato precisa ser morto? Claro que sim. Transitando pela sala, ele pode transmitir doenças e pode chamar outros ratos e outros insetos. É preciso alertar a população para aos malefícios das substâncias químicas? Claro que sim. Mas isso é muito pouco. O fato é que em uma sociedade desestruturada, com valores superficiais e famílias desnorteadas, o vazio existencial surgirá e a droga será a alternativa de muitos, mesmo que saibam de seus males e de suas consequências.

Famílias, voltemos para a cozinha! Vamos em busca do que não está certo, dos restos de comida, da omissão, dos maus hábitos. Da falta de cooperação, do respeito às diferenças e aos limites de cada um; procurem o lixo exposto, a permissividade em excesso, a falta de respeito com pai e mãe, a ausência de religiosidade, a individualidade. Deve haver muita sujeira na despensa, deve haver falta de bons exemplos e do amor que ama, mas que não aceita o que está sendo feito de errado.

Há um rato na sala, sabemos que há.
Mas ele é só um sintoma inevitável de problemas muito mais graves.



Fonte: http://www.mundoalegraivos.com/2011/08/ha-um-rato-na-sala.html

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