Poucas pessoas acreditam que um pé de alface sofre quando seu
vizinho de horta é arrancado e devorado, ainda vivo, em uma salada. No outro
extremo, ninguém duvida que uma mãe se preocupa e compartilha o sofrimento de
seu filho. Apesar de a palavra amor fazer pouco sentido quando usada fora do
contexto das relações entre seres humanos, a empatia - definida como a
capacidade de um animal de ser afetado e compartilhar o sofrimento de outro
membro da sua espécie - foi demonstrada em muitos mamíferos.
A reportagem é de Fernando Reinach, biólogo, e publicada pelo
jornal O Estado de S.Paulo, 14-04-2011.
Para os estudiosos do comportamento animal, a empatia existe
quando é possível demonstrar que um indivíduo, ao observar o sofrimento ou
desconforto de um outro indivíduo, desenvolve reações semelhantes às de quem
está sofrendo sem que as causas desse sofrimento estejam presentes. Ratos que
observam seus filhotes sendo ameaçados por um predador desenvolvem reações
semelhantes às apresentadas pelos filhotes ameaçados.
Quando imobilizamos um bezerro, seu coração bate mais rápido, e
a quantidade de adrenalina no seu sangue aumenta. Se a vaca, mãe do bezerro,
observar a imobilização do filhote, seus batimentos cardíacos e a concentração
de adrenalina também aumentarão, indicando que ela compartilha e está
"preocupada" com o destino da cria. A descoberta da empatia entre mamíferos foi
um dos argumentos usados para forçar os criadores de porcos e bovinos a adotar
práticas "humanitárias" durante a criação e o abate desses animais.
Nas aves, cujo cérebro é muito mais simples do que o dos
mamíferos, a empatia nunca havia sido demonstrada. Os cientistas acreditavam que
o comportamento de uma galinha ao chamar os pintinhos no terreiro ou cobrir seus
filhotes com as asas era totalmente automático e instintivo, não havendo a
possibilidade dos sentimentos de um animal contagiar o outro por meio da
observação visual. Agora isso mudou: foi demonstrado que uma galinha, ao
observar o desconforto de seus pintinhos, sofre alterações metabólicas e
comportamentais.
Trinta e duas galinhas foram estudadas nas semanas seguintes ao
nascimento de suas ninhadas de pintinhos. O comportamento das galinhas foi
analisado em quatro condições experimentais. Em todos os casos, os animais foram
colocados em um pequeno cercado dividido ao meio por uma placa de vidro. De um
lado ficava a galinha e do outro, os pintinhos. No primeiro experimento, os
animais simplesmente ficavam separados. No segundo experimento, além de
separados, uma pequena mangueira soprava "pufes" de ar a cada 30 segundos sobre
as penas da galinha, o que causa um pequeno desconforto no animal (os pintinhos
não eram incomodados). No terceiro caso, o ar era soprado em "pufes" sobre os
pintinhos e a galinha não era incomodada. No quarto experimento, somente o
barulho do ar era ouvido a cada 30 segundos, mas o ar não agitava as penas de
nenhum deles.
Durante o tempo em que os animais ficavam em cada uma dessas
situações, os cientistas mediram o batimento cardíaco das galinhas (usando
monitores remotos), a temperatura da crista da galinha e de seus olhos (usando
câmaras digitais sensíveis à temperatura) e o comportamento das galinhas
(filmando todo o experimento e analisando as imagens).
O que foi observado é que, nas situações controle (sem ar
assoprando ou somente com o barulho do ar), nenhum dos parâmetros medidos se
alterou. Galinhas e pintinhos ficaram felizes, um observando o outro através da
parede de vidro. Mas quando o ar soprava sobre a galinha, a temperatura dos
olhos e das cristas da galinha mãe diminuía (uma indicação de estado de alerta).
Ela parava de ciscar, tomando uma postura de cabeça levantada, também um sinal
de alerta, mas seus batimentos cardíacos não se alteravam. O mais interessante
foi o resultado obtido quando a galinha não estava sendo incomodada, mas
simplesmente observava o ar soprando sobre os pintinhos. Nesse caso, a
temperatura dos olhos e da crista também diminuíam, a postura de alerta ficava
mais frequente e, além disso, os batimentos cardíacos ficavam mais rápidos e
menos regulares. A galinha também emitia com mais frequência o piado típico de
"venham para perto, pintinhos".
Os cientistas acreditam que isso demonstra que as galinhas
mães, ao observarem visualmente o que estava acontecendo com os pintinhos,
tiveram uma reação semelhante à que apresentavam quando eram incomodadas pelo
mesmo tipo de estímulo. Isso demonstra que existe algum tido de empatia entre as
galinhas e seus pintinhos.
Esta é a primeira vez que o "sentimento" de empatia e
"preocupação" é formalmente demonstrado em aves. Tudo indica que as aves são
capazes de uma forma primitiva de amor. A descoberta de que uma galinha é capaz
de sofrer ao observar o sofrimento de outros membros de sua espécie é um bom
argumento para quem defende melhores condições de criação e abate para os
milhões de frangos que são produzidos, mortos e devorados pelo Homo sapiens a
cada semana.
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=42417
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