Já começamos os três dias mais intensos de todo o ano
litúrgico e principalmente da fé cristã: na liturgia fazemos o memorial de
todos os gestos mais significativos, gestos da salvação, da doação total. Em
todo mundo são os dias que mais se fazem procissões lembrando os últimos
momentos da vida de Jesus, são últimos porque já o ‘veremos’ tal qual ele é,
porém, o veremos transformado num corpo glorioso. A sua presença será pela
substância do pão e do vinho, pelo qual se fez presente na liturgia, na
história, na vida de todos aqueles que deixam um espaço no seu interior, aqui é
por onde ele se fará presente quando queremos porque está por dentro.
Hoje, Quinta-Feira Santa, começamos o primeiro dia do
Tríduo Pascal, uma celebração solene e grandiosa, marcada pelo seu contexto
dramático da aproximação da paixão e morte do Senhor. É o dia marcante por
excelência da despedida e do amor extremo que se fez servo humilde e generoso.
São muitas as características resumidas neste grande dia.
Pode ser que cada ano digamos a mesma coisa, porém, cada ano temos alguma coisa
nova e outra forma de expressar as graças de Deus que ao longo do ano
experimentamos. Os principais pontos que nos fazem refletir e ao mesmo tempo
dar uma resposta de fidelidade a tão grande amor de Jesus.
- O Dia do amor fraterno.
Hoje ressoa na comunidade o
mandamento novo, o mandamento do amor, do amor “como eu vos amei”. “Amou-vos
até o extremo”, até o inimaginável, até fazer-se servo e escravo em pleno
trabalho considerado humilhante e próprio de escravos (lavar os pés). “Dei-vos
o exemplo”. “lavei-vos, também vós deveis lavar-vos os pés uns dos outros”. Se
trata de uma proclamação do mandamento do amor realizado não com palavras, mas
com o gesto prático -que entra pelos olhos - do serviço. Amar é servir. Somente
ama quem serve. As obras são gestos concretos de amor.
- É o dia da Instituição da Eucaristia.
O lava pés que nos
conta o santo evangelho de são João é o caráter da “instituição da Eucaristia”
também citados nos demais evangelhos. Para são João, de algum modo têm o mesmo
sentido. A Eucaristia expressa e constitui o sacramento do amor, também de uma
maneira “visível” (tal como manifesta todos os demais sacramentos, como “sinal
da presença de Deus”). Jesus “parte e reparte” o pão e o vinho, e diz: “Fazei
isto em memória de mim”, ou seja; para lembrar-nos (para guardar este gesto
concreto) fazei isto; ou também: partir e repartir a sua própria existência
será a forma para melhor seguir e dar testemunho e assim fazer memória de forma
visível. “Celebrar” a Eucaristia, a fração do pão, sempre será muito mais que
“ouvir a missa”: “cada vez que comemos deste pão… anunciamos a morte do Senhor
até que ele venha”.
- Também é o dia da Instituição do sacerdócio.
A tradição
nos diz que foi neste dia. Está claro que Jesus não instituiu a vida
sacerdotal. De fato o Novo Testamento não utiliza esta palavra, porém, ao
aplicá-la a Jesus e ao Povo de Deus como conjunto, jamais podemos aplicá-la a
uma pessoa individual; somente a partir do século IV que começaria a ser
introduzida no vocabulário cristão. O que Jesus deixou foram discípulos e
apóstolos. O que conhecemos hoje como “clero”, isto é, uma parte que era
diferente, em quanto estados privilegiados… tudo isso vai totalmente contra
aquilo que o Evangelho nos ensina. Encontramos um apoio em Jesus, foi no
ministério ordenado do serviço à comunidade cristã, que reproduz e da
continuidade a sua presença no meio da comunidade.
Tendo em mente que a nossa liturgia deste dia abre
caminho para uma maior compreensão e interioridade do mistério que celebramos
já faz dois mil anos. Na primeira leitura do livro do Êxodo (Ex 12, 1-8.11-14),
se trata de um texto que já nos está preparando para o que iremos ouvir no
santo Evangelho: a ceia pascal é a melhor festa que o povo judeu poderia fazer
como memória pela grande libertação de Deus, do amor de Deus para com o seu
povo. Também foi a que Jesus celebrou com os seus amigos antes de doar-se pelos
seus gestos e palavras um sentido novo: o memorial da sua Páscoa.
O novo sentido dado por Jesus é aquele que realizamos
cada vez que celebramos a Eucaristia, fazendo-lhe presente nos altares de todas
as igrejas do nosso mundo, Jesus se doa por inteiro cada dia, como vítima pelos
nossos pecados para conduzir-nos a Deus. Nós, os ministros da graça, não somos
dignos de realizar este gesto da presença real no Santíssimo Sacramento do
altar, porém, a ordem do Senhor está acima do que somos como seres humanos:
“Este dia será para vós um memorial em honra do Senhor, que haveis de celebrar
por todas as gerações, como instituição perpétua. Este dia” (Ex 12,14). Na
segunda leitura (1 Cor 11, 23-26) afirma o que já celebramos com toda a
convicção: “todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice,
estareis proclamando a morte do Senhor, até que ele venha” (v. 26).
Agora já podemos compreender o sentido da cena evangélica
(Jo 13, 1-15) e voltando um pouco ao que dizia no começo da nossa reflexão
sobre as três instituições fundamentais da Quinta-feira Santa: o amor fraterno;
instituição da Eucaristia e do sacerdócio. Jesus nos quer deixar algo
fundamental e ao mesmo tempo de grande valor para que façamos o seu memorial
lembrando e valorizando que tudo isso foi por amor e obediência àquele que o
teria enviado. Esta é a hora, o momento da sua agonia, da sua paixão e
sofrimento pela humanidade que não quis corresponder a tão grande amor
manifestado na história do seu povo. Esta também é a nossa história, quantas
vezes Deus se apresentou na nossa vida e fechamos o coração, porém este Deus
não se cansa de nós
Depois daquela última ceia, depois de todas aquelas
emoções a flor da pele: foi uma eucaristia com sabor de despedida, o lava pés.
E as últimas recomendações sobre o amor e o perdão: “Amai-vos, perdoai-vos como
eu vos amei e perdoei”. Logo depois de deixar escrito o seu testamento com
aquele pedaço de pão partido e daquele pouco de vinho, Jesus necessita orar,
estar sozinho com o seu Pai. Somente Deus poderia lhe consolar.
Meus queridos, aproveitemos este dia para adorar e estar
em oração com o Senhor presente no Santíssimo Sacramento do altar, assim
podemos resgatar o grande valor do amor de Jesus de não nos deixar sozinhos
pelo mundo.
Pe. Lucimar, sf
Fonte: http://padrelucimar.com/quinta-feira-santa-ciclo-b-portesp/
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